O Gigante que falta acordar

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Durante esse último mês em que o futebol brasileiro ficou paralisado em suas principais competições, tivemos a oportunidade de presenciar em nosso país como fato marcante as reinvindações de um povo sofrido em manifestações pelas ruas, pautadas em melhorias de condições de vida para todos nos mais diversos setores da sociedade. Diante de tanto descaso em setores primordiais como saúde, educação, segurança e transporte (que foi o estopim para tudo o que presenciamos), confesso-lhes que nós, brasileiros, até demoramos muito para levantar a voz em tom mais alto contra todas as mazelas no qual "nos acostumamos" a presenciar durante todo esse tempo. 


Despertamos desse sono profundo. Despertamos do desconhecimento de nossa própria força. Despertamos para a realidade: somos nós quem construímos esse país e o povo, dentro de uma verdadeira democracia, é quem deve ter o direito de dizer ao sistema o que nós queremos, e não o que o sistema quer que nós sejamos perante seus interesses. Se o futuro será bem melhor depois disso tudo, se o povo irá se esquecer e voltar à sua posição de passividade anterior, se foi apenas como no dito popular "fogo de palha", somente o tempo e os acontecimentos que irão nos mostrar. Entretanto, algo precisava ser, verdadeiramente, feito em favor de nossa qualidade de vida, de nosso direito de expressão por um país melhor. E assim foi feito, mesmo que tardiamente e sabendo que "a luta continua".


De forma serial, presenciamos no último dia desse mesmo mês (domingo passado) o despertar de mais um gigante, outrora igualmente adormecido e que, uma vez desafiado, nos fez reviver àqueles dias em que nos orgulhávamos de coração por nossa seleção nacional. Sim, nos sentimos realizados em presenciarmos, depois de muito tempo, uma vitória expressiva e um título conquistado sobre a reconhecida "melhor seleção do mundo". Afinal, o "oásis" do futebol deixou de ser o brasileiro faz tempo. Pelo menos na teoria, nas ações, na postura de apequenamento constante, tanto no conformismo pelos resultados pífios obtidos não faz nem tanto tempo contra seleções igualmente de expressão quanto na desqualificação da identidade de nossa seleção perante o povo em que ela representa ou deveria representar. Nos sentíamos traídos por essa evidente perda de identidade, adotando Londres como nosso "novo lar" jogando somente por dinheiro e arrecadações para a maléfica CBF em detrimento dos clubes de futebol, esses sim, ainda amadores e "de pires na mão".


A vitória da "Fúria" era "pule de dez". Ou quem ousaria prever que uma seleção que ótimo toque de bola, de ótimos valores, dona do melhor futebol que lhe rendeu a última Copa do Mundo e as duas últimas Eurocopas, com dois times excepcionais de primeiro escalão polarizando seu futebol doméstico e sua seleção fosse perder para o "decadente" futebol "tupiniquim", amador, sem dinheiro, "sem talentos" segundo muitos?! Creio que somente aquela pessoa que fosse muito corajosa que, em contrapartida, estaria correndo o risco de "levar o rótulo em sua testa" de "sabe nada", "não entende", "é cego", "é burro", "está sonhando" etc. Mas como sabemos, esse papo é sobre futebol. Logo, a "equação complicada" pode se tornar uma "simples operação de cálculo" e sem contestação.


De forma alguma, a Espanha deixou de se uma seleção de qualidade e nem o Brasil deixou de ter suas deficiências. Mas como bem colocou o goleiro Júlio César, resgatado do ostracismo com o título após o jogo: "o futebol tem hierarquia". E o Brasil tem MUITO a mostrar, ainda, à Espanha e a uma série de outras equipes. Afinal, não tem seleção que seja cinco vezes campeã do mundo, quatro vezes campeã da Copa das Condeferações (que é uma espécie de campeã das campeãs de todos os continentes) e oito vezes campeã das Américas por mera "questão de sorte". A questão vai mais além: talento, acima de tudo. E foi esse talento em campo o construtor dessa hierarquia no futebol em que o Brasil, mesmo não estando em seus melhores momentos, se permite olhar para a recente seleção campeã do mundo pela primeira vez e lhe pedir respeito, principalmente em sua casa, diante de sua torcida. Por sinal, sua casa resgatada por sua própria torcida, pois nem casa em nosso território nós tínhamos recentemente.


Nesse contexto, obviamente, faço e lhes proponho uma reflexão comparativa sobre os dois fatos já elucidados e o nosso amado Club de Regatas Vasco da Gama: e nosso Gigante, quando irá despertar também? Quando será que, assim como o povo brasileiro, assim como a seleção brasileira, iremos "bradar" em alto e bom som que queremos o pleno resgate de nossa instituição? Quando será que o vascaíno, de uma forma geral, estará mais consciente, pensando ao clube com sua inteligência, colaborando, cobrando e exigindo de forma democrática e pacífica por um clube melhor, sem politicagem, sem vaidade, sem interesses que não sejam ao Vasco em primeiro lugar? Quando será que veremos nosso Vasco, nosso Gigante, libertado de todas as amarras que, por ventura, não o faz mais nos dar as mesmas alegrias que, um dia, vimos?


A analogia desses dois fatos outrora citados é bastante pertinente. Se o povo é capaz de ajudar a construir um país através de suas manifestações de forma pacífica e ordeira, o vascaíno é capaz de, consciente e forte, ajudar a construir o clube que ele deseja. Se no futebol tem hierarquia e essa é capaz de prevalecer em momentos decisivos, em que contexto dessa mesma hierarquia queremos ver nosso clube posicionado: no esplendor das conquistas como nos acostumamos um dia? Ou adormecido, acanhado em sono profundo, mascarado por seu pensamento pequeno e pela mediocridade do presente momento, mirando ao fundo do poço e dele fazendo seu referencial? Quem são esses que não querem ver o Gigante da Colina, detentor de cinco títulos nacionais, de três sulamericanos, de dois mundiais não reconhecidos pela FIFA, de outros tantos títulos e  de uma torcida das mais grandiosas do Brasil recolhido em sua suposta "insignificância"? Assim como a seleção brasileira, com sua casa desfigurada, tal como podem nos tirar do Maracanã e ainda nos proibir de mandar a certos jogos em São Januário também? Pois então, "todos contra esses". Sejam quem for; estejam onde estiverem.


O Vasco não é subserviente e nem inexpressivo conforme grande parte pensa que seja. Mas de nada adianta esse discurso se não houver pessoas capazes de fazerem valer nossas tradições e nossos ideais contra a grande "massa de manobra" que atende aos interesses comerciais e polarizados em alguns, cooptando e alienando a todos sobre uma suposta imposição de "nova hierarquia" no futebol brasileiro, levando até mesmo à reversão de uma história no qual o Vasco sempre lutou com quem lhe amava contra seus reais inimigos. O próprio Vasco, a começar pela própria instituição, deve resgatar a sua própria identidade, sua própria consciência de clube Gigante desse futebol, coisa perdida por nós, infelizmente, faz tempo. Nesse cenário, é preciso MUITO mais do que somente o propagado profissionalismo para resolver a esses problemas. Tal como já escrevera outrora, é preciso competência e vontade, aliados à capacidade e ao próprio sincero sentimento pela instituição. E, assim como o povo brasileiro, já passou da hora de o vascaíno dar sua resposta, com trabalho, com vontade e com sapiência. Pela volta de um Vasco forte, tal como desejamos. 


Cristiano Mariotti

Twitter: @crismariottirj

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