Caros vascaínos,
Em ano eleitoral, os ânimos se acirram e muitos começam a comparar que Fulano foi “mais culpado” que Cicrano, ou que Beltrano fez isso ou aquilo que outros não fizeram. E as acusações e trocas de farpas não terminam nunca.
Particularmente, acho esse tipo de postura inócua para o que mais interessa, que é melhorar nosso clube para o futuro.
Por isso mesmo, resolvi escrever este artigo para ver se colocamos um pouco de luz racional nesse assunto, tentando identificar de quem é a culpa.
Vamos voltar um pouco no tempo: na última década do século passado, tivemos contabilizados:
2 títulos continentais (Libertadores 1998 e Mercosul 2000);
3 títulos nacionais/interestaduais (Brasileiro 1997 e 2000, João Havelange 1993);
4 títulos estaduais (1992, 1993, 1994, 1998);
3 títulos no estrangeiro (Troféu Cidade de Barcelona 1993, Troféu Cidade de Palma de Malorca 1995, Troféu Bartolotti 1997);
Isso sem contar as conquistas em outras modalidades, além do futebol.
Bom, então vamos adiantar um pouco mais, e, ao invés de uma única década, vamos pegar todo o transcurso de tempo deste novo milênio (17 anos até a confecção deste artigo):
0 títulos continentais;
1 título nacional/interestadual (Copa do Brasil 2011);
3 títulos estaduais (2003, 2015 e 2016);
0 títulos no estrangeiro;
3 rebaixamentos para a série B nacional (2009, 2014 e 2016, sendo que, de forma vergonhosa, só conseguimos um título lá, que foi em 2009 – nas demais edições, subimos com muita dificuldade);
Nos últimos 17 anos, tivemos dois presidentes no comando: Um deles foi Eurico Miranda, no período de 2001 a 2008 (quando perdeu o mandato do Vasco por problemas na justiça), reassumindo o clube em 2014 e permanecendo até hoje. O outro foi Roberto Dinamite, que assumiu em 2008 e saiu em 2014.
Eurico e Dinamite são co-autores do rebaixamento de 2008 (uma análise séria e apartidária não pode isolar a causa como sendo de apenas um deles). E ambos foram responsáveis exclusivos por um rebaixamento cada, sendo que Eurico colocou como promessa de campanha que nas mãos dele o Vasco jamais cairia.
Vasco já foi o clube de maior torcida do país, com o crescimento vertiginoso que teve após seu surgimento bombástico na década de 20, a resposta histórica e a construção do maior estádio da América do Sul (até o surgimento do Maracanã em 1950), além, é claro, do Expresso da Vitória e o fantástico título continental de 1948, hoje reconhecido pela CONMEBOL como o precursor da Libertadores, e tendo o Vasco como seu primeiro campeão.
Após 1950 o Vasco passou por momentos difíceis, pois seu crescimento vertiginoso levou a disputas internas no clube. O Flamengo se aproveitou disso, já que era o clube que rivalizava em torcida com o Vasco. Através de um torcedor fanático, dono do maior veículo de comunicação brasileiro (Roberto Marinho), o Flamengo, que não possuía nenhum título de expressão até 1980, se tornou o clube de maior torcida, graças a um período de extrema ênfase da mídia cultuando uma suposta “mística” do clube, e colocando o Vasco em segundo plano.
Os anos se passaram. São Paulo cresceu de maneira assombrosa em termos de população, e, com isso, levantou rapidamente o número de torcedores de seus principais clubes. O Vasco mergulha então no século XXI amargando administrações inaptas e permitindo que outros clubes conquistassem torcida até onde se seria inimaginável para eles. A falta de grandes conquistas, que formaram nossa torcida no século XX, contribuiu decisivamente para o não crescimento de nossa torcida. Hoje temos ainda uma torcida gigante mas que não é cativada pelas administrações do clube e que, por isso, está desmotivada. Vasco e Flamengo são hoje os únicos clubes onde há mais torcedores fora do que em seu próprio estado sede. Mas, mesmo sabendo disso, hoje temos um plano sócio-torcedor que disputa fortemente para levar o título de pior programa de sócios do Brasil.
Além disso, o clube parou no tempo. Não modernizou seu estádio, que ruma aos 100 anos e nos deixa preocupados. Suas sedes em locais caros, pela pouca utilização, despertam a cobiça de governos locais e também de especulação imobiliária. Já perdemos um local privilegiado no passado, onde hoje está o camelódromo do Rio. Vamos perder mais patrimônio? E olha que sequer estou falando do imenso terreno localizado em Duque de Caxias, na rodovia Washington Luiz, que já teve grande parte de sua área dilapidada para um Hospital da prefeitura local.
Portanto, amigo leitor, o Vasco hoje tem um grande problema de Gestão? Obviamente sim! Balanços duvidosos, denúncias de fraudes eleitorais, e um clube que reluta em entrar no século XXI são apenas o lado mais midiático de nossos problemas. Há um sem número de problemas, mais técnicos (e difíceis de se explicar em poucas palavras ao público em geral), mas não menos importantes para explicar nosso “apequenamento”.
A tese que defendo é que Eurico Miranda não é a causa de nossos problemas! Ele é a consequência cruel de uma maneira de pensar completamente errada que se instalou em nosso clube. Eurico, muito sagaz, percebeu isso e criou o mito do “Don Corleone” Vascaíno, se tornando o “Salvador da Pátria” Vascaína. Não sei do que ele está salvando o Vasco, mas seus defensores sempre acham argumentos para defendê-lo. E porque acham esses argumentos? Porque pensam da mesma forma! Eurico é apenas um líder, que assumiu seu papel perante essa forma de pensar, e que está levando nosso clube a uma morte lenta e dolorosa. Eurico, e Dinamite (como gestor), não representam os ideais de nossos antepassados, fundadores do clube.
O Vasco tem uma alma! Sua alma é formada de caráter, retidão, tolerância com quem não pensa igual a nós, respeito à todo tipo de diferença, seja ela de cor, de gênero, de classe social ou mesmo religiosa! A alma vascaína é composta de união e amor. Não somos formados de prepotência, beligerância, e vitória (no futebol e na política) forjada a qualquer preço! Esse tipo de espírito não condiz com a nossa essência! É por isso que a torcida vascaína está sem rumo… sem um norte! Perdemos nossas referências para uma forma de pensar muito mais propícia ao Flamengo e Fluminense, do que ao Vasco. E, como perdemos identidade, estamos cometendo uma autofagia, nos destruindo lentamente. É um câncer que tomou nosso corpo e que nos levará a morte!
Portanto, amigo vascaíno, temos que refletir e entender o que está acontecendo no clube! Não percamos tempo discutindo quem foi melhor ou pior, quem fez ou quem não fez. Essa discussão é inócua se mantivermos a mesma forma de pensar suicida que adotamos anos atrás e que estão nos levando a ruína! Precisamos parar de discutir o que não nos trará resultados e começar a discutir o que é importante para o clube, como instituição, e não para “pessoas”! Entende agora de quem é a culpa? A culpa é de todo o vascaíno, de uma forma geral, que permitiu que chegássemos a esse ponto. E a responsabilidade de sairmos do buraco também é nossa!
Estamos em um ano eleitoral! Independente de paixões, e independente de nomes e possíveis candidatos, sejam eles empresários, políticos, gestores, ou quem mais se colocar como a “salvação do Vasco”, deixemos as discussões fúteis de lado e sejamos sérios e pragmáticos! Pensem: qual é o verdadeiro Vasco e qual Vasco queremos para o século XXI? Vamos discutir isso em nossos grupos de redes sociais, sem paixões, e sem se preocupar com nomes agora. Precisamos agora é discutir Vasco, e não os nomes para o Vasco. Os nomes surgirão até a eleição.
Só assim poderemos salvar nosso clube de sua extinção. Propague essa ideia! Discuta! Reflita! Vamos resgatar o Vasco de nossos antepassados de volta as suas raízes!
Finalizando, não poderia deixar de lembrar o grande dia que é hoje! Há exatos 93 anos, nosso clube tomou uma decisão que mudou os rumos do futebol deste país! A Resposta Histórica, como é conhecida atualmente, foi um dos maiores marcos históricos de nosso clube. Reproduzo abaixo seu texto e o documento exposto em nossa Sala de Troféus. Nossas reverências a todos aqueles que participaram desse momento grandioso de nosso clube!
SV
André Pedro
RESPOSTA HISTÓRICA
“Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.
Ofício nr. 261
Exmo. Sr. Dr. Arnaldo Guinle
M.D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos
As resoluções divulgadas hoje pela imprensa, tomadas em reunião de ontem pelos altos poderes da Associação a que V.Exa tão dignamente preside, colocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada nem pela deficiência do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa sede, nem pela condição modesta de grande número dos nossos associados.
Os privilégios concedidos aos cinco clubes fundadores da AMEA e a forma por que será exercido o direito de discussão e voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.
Quanto à condição de eliminarmos doze (12) dos nossos jogadores das nossas equipes, resolve por unanimidade a diretoria do Club de Regatas Vasco da Gama não a dever aceitar, por não se conformar com o processo por que foi feita a investigação das posições sociais desses nossos consócios, investigações levadas a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.
Estamos certos que V.Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno da nossa parte sacrificar ao desejo de filiar-se à AMEA alguns dos que lutaram para que tivéssemos entre outras vitórias a do campeonato de futebol da cidade do Rio de Janeiro de 1923.
São esses doze jogadores jovens, quase todos brasileiros, no começo de sua carreira e o ato público que os pode macular nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que eles, com tanta galhardia, cobriram de glórias.
Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V.Exa. que desistimos de fazer parte da AMEA.
Queira V.Exa. aceitar os protestos de consideração e estima de quem tem a honra de se subscrever, de V.Exa. At. Vnr. Obrigado
(a) Dr. José Augusto Prestes
Presidente”